Texto: Ivan Castilho
Data: 26/06/2003
A aventura de voar no DC3, na realidade, começou nos idos anos de 1967. Aos 7 anos de idade, pude pela primeira vez ver um avião de perto e justamente àquele que nunca me sairia da memória. Naquele momento, não pude me aproximar muito, pois era impedido pela cerca do aeroporto de Itajaí. Mas fiquei perto o suficiente para olhá-lo de baixo para cima permitindo, do meu ângulo de visão, juntar a ponta da hélice com o céu, e mirando-o perdi a noção do tempo. Até que minha mãe me puxando pela mão interrompe aquele momento de conversa entre um menino e a máquina. Com o passo apressado, olho para trás e despeço-me com um singelo "- Tchau avião, um dia a gente se vê de novo... Tchau!". Saí com a sensação de estar reencontrando algo que tinha estado perto de mim por muito tempo e que por algum motivo tínhamos nos separado. E mais uma vez, estava sendo levado para longe. Embarcamos no ônibus circular e nos afastamos. Depois deste dia nunca mais tinha chegado próximo de um DC3, e dentre os inúmeros aviões que via de perto, ou voava, nenhum parecia ser tão lindo quanto ele. Os anos se passaram, diziam que ele não voava mais, até que aparece o PP-VBN na Expo Aero Brasil, em Araras - São Paulo.
Como freguês de carteirinha da Expo Aero Brasil (antiga Aerosport), soube antecipadamente que na edição de 2003 o DC3 estaria presente. Comecei então a me preparar para chegar perto e, quem sabe, dar continuide àquela conversa que estava suspensa a tantos anos.
Ancioso, cheguei na feira e logo o vejo no ponto de espera preparado para o ingresso. É a primeira aeronave que identifico. Minha alegria de poder vê-lo de perto faz-me apressar o passo. Enquanto caminho ele alinha e decola e, majestoso, ganha os céus de Araras partindo para mais um vôo panorâmico.
Me dirijo ao local onde ele está hangarado e fico na espera. Minutos depois ele pousa e vem para o ponto. Atônito, vejo-o se aproximando. O barulho (dois Pratt & Whitney R-1830-92) me soa como algo mais que familiar, apesar de ser a primeira vez que ouço "ao vivo". Ao se aproximar do público, abandonando a pista, a velha águia desliga os motores para o desembarque e ser puxado até sua posição de hangaragem e demonstração ao público.
Sou apresentado à tripulação pelo Hiram que também é fã do avião e já faz parte da 'casa' no DC3. No comando o Cmte Machado, o copila e também o proprietário do avião, Eduardo Letti. Ali sou informado que não estão acontecendo vôos panorâmicos para o público. Aquele vôo estava sendo patrocinado pela SATA, HONEYWELL, AIRPB e VARIG ENGENHARIA E MANUTENÇÃO (VEM). Além disso, fui informado que um novo vôo seria realizado somente no dia seguinte (domingo) e que seria o último vôo dele nesta edição da feira. Na coordenação do evento está o Sr. Bruno Valente - gerente de Marketing da VEM. É importante dizer que a VEM realizou e realiza todas as manutenções no DC3. O que inicialmente seria uma manutenção de 3 dias, tornou-se 8 meses, pois a velha águia foi fazendo suas "vitimas" encantando e seduzindo toda a equipe de manutenção da VEM, que não mediu esforços em realizar o trabalho que fizeram.
Informei ao Sr. Bruno que estaria interessado em fazer a reportagem para a AeroVirtual, e que precisava somente tirar algumas fotos, se possível entrar, fotografar o painel, cabine de passageiros e conversar com a triuplação. De pronto, o Sr. Bruno me informa que tal pedido será atendido. Pediu que eu aguardasse que já iria me atender. Fico aguardando e olhando aquela máquina que estava perto de mim novamente. Caminho até sua frente, tento ficar numa posição em que possa ver sua hélice tocar o céu, mas o público é muito e não consigo. Sei que nossa conversa não poderá acontecer ali, então volto para tripulação e 'mendigo' uma olhada no interior. Com a ajuda o Hiram, sou autorizado a embarcar. Meus olhos cheios, eu nervoso, subo a escada, entro, vou me dirigindo para a cabine dos pilotos, sento na direita e não acreditando, abro a janela, olho pra fora, vejo o motor 2, volto para o painel, checo os instrumentos, alguns novos, outros ainda originais (o manche é ainda o original!). Meus olhos não conseguem ver tudo. Teria que ficar ali muitas horas seguidas para poder dar uma espiada com mais detalhes. Não acredito estar dentro daquela máquina para a qual anos antes eu havia dado um saudoso "tchau". Na sequência, sou convidado a desembarcar pois a tripulação vai necessitar preparar o avião para visitação pública.
Ao desembarcar, sou informado pelo Sr. Bruno Valente que estou na lista dos passageiros para o vôo do dia seguinte (domingo 08/06/2003). Incrédulo, não consigo guardar tanta alegria. Já me recuso a afastar do avião. Me sinto em casa! Pelo lado de dentro da fita que cerca a aeronave, sou questionado pelo público que, sedento de algumas informações, me confunde com a tripulação. E eu, todo faceiro, vou respondendo o que posso. O que não sei, me socorro nos meus "parceiros". Logo me vejo auxiliando o Letti que, enquanto presta informação ao público, vai dividindo comigo a organização das visitas à aeronave. O dia passa tão rápido que nem vejo a feira direito. Esqueci até de almoçar! :-)
No final da tarde, sou chamado pelo Hiram para corrermos, pois está na hora da saída do ônibus para o hotel. No hotel janto com o grupo de Santa Catarina e após longas conversas, um café e o tradicional Fidel (charuto), vou para o quarto. Tento dormir, mas não consigo. Fico pensando que tinha estado com ele - o DC3 - e não tínhamos conversado. Também pudera, tinha muita gente, estava muito tumultuado, e também ficaria meio esquisito. Iriam pensar que eu estava louco, falando com um avião... Adormeci pensando no que dizer a ele no dia seguinte.
Naquela noite, sonho que sou piloto de um DC3, com minha camisa de manga comprida, bem lavada e engomada, divisa de comando e gravata, cheiro de grama molhada misturado com o de combustível... Dia frio, passageiras com vestidos rodados em vermelho e listas brancas, óculos pretos e lenços na cabeça... Ouço o ronco dos motores (talvez fosse até meu próprio ronco se misturando ao sonho). Baseado em Passo Fundo, vou decolando de aeroporto em aeroporto, num dia de inverno dos anos 50.
No domingo, acordo disposto. Afinal, vou voar no DC3! Apresso o pessoal para sairmos no horário. Deixamos o hotel por volta das 09:30. Precisava chegar o mais cedo possível na feira. Tinha que ajudar a preparar o avião para o vôo. Eu era uma alegria só... Chegamos na posição e o Sr. Bruno já vai distribuindo as tarefas, solicitando meu auxilio de forma a concentrar os convidados para o embarque.
O embarque é efetuado ao som de Glenn Miller com sua inesquecível Moon Light Serenade. Os passageiros vão subindo neste que é o vôo de número 136. A bordo estava a Assessora de Imprensa da EAB, Luciana Corrêa - também convidada pelo patrocinador - o que com toda a sua graça torna o vôo mais alegre. Mesmo com todos os afazeres do evento, não deixou de prestigiar este acontecimento - confessando que, na verdade, não o perderia "...nem que chovesse canivete!".
Os motores são acionados: primeiro o dois, depois o de número um. Iniciado o táxi para ponto de espera, alinhado e inicia rolagem. A bordo estão 25 passageiros. A velha águia desliza e alça vôo, presenteando os céus de Araras com sua beleza. Eu ainda sob grande emoção, não conseguia absorver tamanha alegria. Era inacreditável que estava voando naquela máquina. Tudo estava acontecendo naquele momento e muito rápido. Durante o vôo no jump seat (assento atrás do piloto) vejo na cabine de passageiros, os que estão sendo presenteados pela comissária Cintia com uma champagne. É isto mesmo, estavam brindando o vôo com champagne! A 4500 pés - 500 sobre o aérodromo - realizavamos um vôo tranquilo. Assim como todo o vôo, o pouso foi uma beleza e pude ouvir os aplausos da platéia, digo, dos passageiros, que em uníssono cantavam em protesto: "Parou porque? Porque parou??" e "Mais um! Mais um!!".
Encerrado o vôo, permaneço por perto da "Velha Águia" ainda incrédulo da aventura que tinha acabado de participar. Ao final recebi um certificado onde diz que sou o passageiro de número 2733 a colaborar com o projeto de manter o DC3 voando, neste seu vôo de número 136. Certificado este entregue a cada um dos demais passageiros.
Não foi ainda desta vez que parei para bater um papo como VBN, mas no momento certo, estaremos conversando e atualizando os acontecimentos de nossas vidas. E com certeza, o momento certo chegará. Onde estaremos só a velha águia e eu...
Nos dias que seguiram da feira, o PP-VBN foi para o Rio de Janeiro para participar das comemorações do Correio Aéreo Nacional e participar da gravação de uma reportagem para o Fantástico.
Nesta mesma feira o Hiram e eu convidamos a tripulação para, no retorno a Porto Alegre, fazer um panorâmico em Florianópolis. O convite foi aceito, a data agendada, e Florianópolis foi presenteada com um vôo no dia 25/06. Vôo este que vai ficar na memória de mais 25 passageiros, que além do voar no DC3 puderam visitar dois C-130 Hércules que estavam na Base Aérea da cidade.
Temos o compromisso da tripulação de que seremos informados de todos os vôos que acontecerão deste DC3 em solo brasileiro, para que possamos publicar na Aerovirtual. Portanto senhores leitores, basta ficarem atentos!
Peço desculpas aos leitores que desejavam ler nesta matéria dados técnicos do avião, sua performance, seus instrumentos... Infelizmente não tenho condições de narrar nada que não seja a emoção de voar no lendário DC3. Mas todas as informações sobre a aeronave e o projeto podem ser obtidas no seu site oficial: www.dc3.com.br. Visita mais do que aconselhada!
Meus sinceros agradecimentos à VEM na pessoa do Bruno Valente que me convidou a fazer o vôo, ao Cmte Machado, copiloto Letti e comissária Cintia que gentilmente nos acolheram a bordo.
Agradeço também o Cmte Paiva Vidual (Comandante da Base Aérea de Florianópolis) que cedeu o pátio da Base Aérea para que o DC3 pudesse estacionar e realizar o embarque, assim como seus comandados, que nos receberam com toda a presteza, atenção e carinho que lhes são particular.
Ivan Castilho
castilho@equisul.com.br
ALGUMAS FOTOS DO VÔO NO DC-3
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